sexta-feira, janeiro 20, 2006

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuido pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.



Carlos Drummond de Andrade

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1 Comments:

Blogger Na Lua Nova said...

Lutar pela sobrevivência dos sonhos existe trabalho árduo e preserverança.
Sobreviver às tempestades que se atravessam no nosso caminho é, muito mais que um dever, uma necessidade. É nessas alturas, mais que em qualquer outra, que é necessário alimentar ainda mais aquilo que já existe.
E quando, finalmente, o sonho se torna realidade ficamos inundados de energia, e realizados. E podemos, tal é a natureza humana, procurar outros sonhos que nos realizem!
Bjs Gds Dcs

25/1/06 3:39 da tarde  

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